RESUMO DA EXORTAÇÃO APOSTÓLICA SACRAMENTUM CARITATIS
SOBRE A EUCARISTIA FONTE E ÁPICE DA VIDA E DA MISSÃO DA IGREJA
INTRODUÇÃO
Sacramento da Caridade, a santíssima Eucaristia é a doação que Jesus Cristo faz de Si mesmo, revelando-nos o amor infinito de Deus por cada homem. Neste sacramento admirável, manifesta-se o amor “maior”: o amor que leva a “dar a vida pelos amigos” (Jo 15, 13).
Santo Agostinho pôs em evidência como o homem se move espontaneamente, e não constrangido, quando encontra algo que o atrai e nele suscita desejo. Perguntando-se ele, uma vez, sobre o que poderia em última análise mover o homem no seu íntimo, o santo bispo exclama: “Que pode a alma desejar mais ardentemente do que a verdade?” De fato, todo o homem traz dentro de si o desejo insuprimível da verdade última e definitiva. Com efeito, Jesus Cristo é a Verdade feita Pessoa, que atrai a Si o mundo. No sacramento da Eucaristia, Jesus mostra-nos de modo particular a verdade do amor, que é a própria essência de Deus.
EUCARISTIA, MISTÉRIO ACREDITADO
Santíssima Trindade e Eucaristia
O primeiro conteúdo da fé eucarística é o próprio mistério de Deus, amor trinitário. No diálogo de Jesus com Nicodemos, encontramos uma afirmação esclarecedora a tal respeito: “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigênito, para que todo o homem que acredita nele não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele” (Jo 3, 16-17). Estas palavras revelam a raiz última do dom de Deus. Na Eucaristia, Jesus não dá “alguma coisa”, mas dá-se a Si mesmo; entrega o seu corpo e derrama o seu sangue.
Na Eucaristia, revela-se o plano de amor que guia toda a história da salvação. Nela, o Deus Trindade, que em Si mesmo é amor, envolve-se plenamente com a nossa condição humana.
Eucaristia: Jesus verdadeiro Cordeiro imolado
No mistério pascal, realizou-se verdadeiramente a nossa libertação do mal e da morte. Na instituição da Eucaristia, o próprio Jesus falara da “nova e eterna aliança”, estabelecida no seu sangue derramado. Jesus é o verdadeiro cordeiro pascal, que Se ofereceu espontaneamente a Si mesmo em sacrifício por nós, realizando assim a nova e eterna aliança.
Deste modo, a nossa reflexão foi deter-se na instituição da Eucaristia durante a Última Ceia. O fato teve lugar no âmbito duma ceia ritual, que constituía o memorial do acontecimento fundador do povo de Israel: a libertação da escravidão do Egito. Esta ceia ritual, associada com a imolação dos cordeiros, era memória do passado, mas, ao mesmo tempo, também memória profética, ou seja, anúncio duma libertação futura; de fato, o povo experimentara que aquela libertação não tinha sido definitiva, pois a sua história ainda estava demasiadamente marcada pela escravidão e pelo pecado. O memorial da antiga libertação abria-se, assim, à súplica e ao anseio por uma salvação mais profunda, radical, universal e definitiva. Ao instituir o sacramento da Eucaristia, Jesus antecipa e implica o sacrifício da cruz e a vitória da ressurreição; ao mesmo tempo, revela-se como o verdadeiro cordeiro imolado, previsto no plano do Pai desde a fundação do mundo, como se lê na I Carta de Pedro (1, 18-20). Com efeito, a instituição da Eucaristia mostra como aquela morte violenta e absurda, se tenha tornado, em Jesus, ato supremo de amor e libertação definitiva da humanidade do mal.
O Espírito Santo e a Eucaristia
O Paráclito, primeiro dom concedido aos crentes, ativo já na criação, está presente em plenitude na vida inteira do Verbo encarnado: com efeito, Jesus Cristo é concebido no seio da Virgem Maria por obra do Espírito Santo; no início da sua missão pública, nas margens do Jordão, vê-lo descer sobre Si em forma de pomba; neste mesmo Espírito, age, fala e exulta; e é nele que Jesus pode oferecer-se a Si mesmo. Depois de ressuscitado, trazendo na sua carne os sinais da paixão, pode derramar o Espírito, tornando os seus discípulos participantes da mesma missão dele. Em seguida, será o Espírito que ensina aos discípulos todas as coisas, recordando-lhes tudo o que Cristo tinha dito, porque compete a Ele, enquanto Espírito da verdade, introduzir os discípulos na verdade total. Portanto, é em virtude da ação do Espírito que o próprio Cristo continua presente e ativo na sua Igreja, a partir do seu centro vital que é a Eucaristia.
O Espírito, invocado pelo celebrante sobre os dons do pão e do vinho colocados sobre o altar, é o mesmo que reúne os fiéis “num só corpo”, tornando-os uma oferta espiritual agradável ao Pai.
Eucaristia e Igreja
O próprio Cristo, no sacrifício da cruz, gerou a Igreja como sua esposa e seu corpo. Os Padres da Igreja meditaram longamente sobre a semelhança que há entre a origem de Eva do lado de Adão adormecido e a da nova Eva, a Igreja, do lado aberto de Cristo mergulhado no sono da morte: do seu lado traspassado — narra João — saiu sangue e água, símbolo dos sacramentos. Um olhar contemplativo para “Aquele que traspassaram” leva-nos a considerar a ligação causal entre o sacrifício de Cristo, a Eucaristia e a Igreja. Com efeito, esta “vive da Eucaristia”. Uma vez que nela se torna presente o sacrifício redentor de Cristo, temos de reconhecer antes de mais que “existe um influxo causal da Eucaristia nas próprias origens da Igreja”. A Eucaristia é Cristo que Se dá a nós, edificando-nos continuamente como seu corpo.
Eucaristia e Sacramentos
O Concílio Vaticano II lembrou que “os restantes sacramentos, assim como todos os ministérios eclesiásticos e obras de apostolado, estão vinculados com a sagrada Eucaristia e a ela se ordenam. Com efeito, na santíssima Eucaristia está contido todo o tesouro espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, a nossa Páscoa e o pão vivo que dá aos homens a vida mediante a sua carne vivificada e vivificadora pelo Espírito Santo: assim são eles convidados e levados a oferecer, juntamente com Ele, a si mesmos, os seus trabalhos e todas as coisas criadas”.
I. Eucaristia e iniciação cristã
O sacramento do Batismo, pelo qual somos configurados a Cristo, incorporados na Igreja e feitos filhos de Deus, constitui a porta de acesso a todos os sacramentos; através dele, somos inseridos no único corpo de Cristo, povo sacerdotal. Mas é a participação no sacrifício eucarístico que aperfeiçoa, em nós, o que recebemos no Batismo. Também os dons do Espírito são concedidos para a edificação do corpo de Cristo e o crescimento do testemunho evangélico no mundo. Portanto, a santíssima Eucaristia leva à plenitude a iniciação cristã e coloca-se como centro e termo de toda a vida sacramental.
II. Eucaristia e sacramento da Reconciliação
Os padres sinodais afirmaram, justamente, que o amor à Eucaristia leva a apreciar cada vez mais também o sacramento da Reconciliação. Constatamos — é certo — que, no nosso tempo, os fiéis se encontram imersos numa cultura que tende a cancelar o sentido do pecado, favorecendo um estado de espírito superficial que leva a esquecer a necessidade de estar na graça de Deus para se aproximar dignamente da comunhão sacramental. Na realidade, a perda da consciência do pecado engloba sempre também uma certa superficialidade na compreensão do próprio amor de Deus. Além disso, a relação entre a Eucaristia e a Reconciliação recorda-nos que o pecado nunca é uma realidade exclusivamente individual, mas inclui sempre também uma ferida no seio da comunhão eclesial, na qual nos encontramos inseridos pelo Batismo.
Pode servir de válida ajuda para a nova tomada de consciência desta relação entre a Eucaristia e a Reconciliação, uma prática equilibrada e conscienciosa da indulgência, lucrada a favor de si mesmo ou dos defuntos. Com ela, obtém-se “a remissão, perante Deus, da pena temporal devida aos pecados, cuja culpa já foi apagada”. O uso das indulgências ajuda-nos a compreender que não somos capazes, só com as nossas forças, de reparar o mal cometido e que os pecados de cada um causam dano a toda a comunidade; além disso, a prática da indulgência, implicando a doutrina dos méritos infinitos de Cristo bem como a da comunhão dos santos, mostra-nos “quanto estejamos, em Cristo, intimamente unidos uns aos outros e quanto a vida sobrenatural de cada um possa aproveitar aos outros”.
III. Eucaristia e Unção dos Enfermos
Jesus não se limitou a enviar os seus discípulos a curar os doentes, mas instituiu para eles também um sacramento específico: a Unção dos Enfermos. A Carta de Tiago testemunha a presença deste gesto sacramental já na primitiva comunidade cristã. Se a Eucaristia mostra como os sofrimentos e a morte de Cristo foram transformados em amor, a Unção dos Enfermos, por seu lado, associa o doente à oferta que Cristo fez de Si mesmo pela salvação de todos, de tal modo que possa também ele, no mistério da comunhão dos santos, participar na redenção do mundo.
IV. Eucaristia e sacramento da Ordem
O vínculo na essência entre a Eucaristia e o sacramento da Ordem deduz-se das próprias palavras de Jesus no Cenáculo: “Fazei isto em memória de Mim” (Lc 22, 19). De fato, na vigília da sua morte, Ele instituiu a Eucaristia e ao mesmo tempo fundou o sacerdócio da Nova Aliança.
V. Eucaristia e Matrimônio
A Eucaristia, sacramento da caridade, apresenta uma relação particular com o amor do homem e da mulher unidos em matrimônio. Aprofundar tal relação é uma necessidade do nosso tempo.
O vínculo fiel, indissolúvel e exclusivo que une Cristo e a Igreja e tem expressão sacramental na Eucaristia, está de harmonia com o dado antropológico primordial segundo o qual o homem deve unir-se de modo definitivo com uma só mulher, e vice-versa.
EUCARISTIA, MISTÉRIO CELEBRADO
Existe uma ligação na essência entre a palavra de Deus e a parte eucarística: ao ouvirmos a palavra de Deus, nasce ou reforça-se a fé, enquanto, na parte eucarística, o Verbo feito carne dá-se a nós como alimento espiritual; assim, “a partir das duas mesas, a da palavra de Deus e a do corpo de Cristo, a Igreja recebe e oferece aos fiéis o pão de vida”. Nunca nos esqueçamos de que, “quando na igreja se lê a Sagrada Escritura, é o próprio Deus que fala ao seu povo, é Cristo presente na sua palavra que anuncia o Evangelho”.
Participação ativa
Quanto ao valor da participação na Santa Missa pelos meios de comunicação, quem assiste a tais transmissões deve saber que, em condições normais, não cumpre o preceito dominical; de fato, a linguagem da imagem representa a realidade, mas não a reproduz em si mesma. Se é muito louvável que idosos e doentes participem na Santa Missa festiva através das transmissões rádio televisivas, o mesmo não se pode dizer de quem quisesse, por meio de tais transmissões, dispensar-se de ir à igreja tomar parte na celebração eucarística na assembleia da Igreja viva.
EUCARISTIA, MISTÉRIO VIVIDO
Forma eucarística da vida cristã
É particularmente urgente no nosso tempo lembrar que o dia do Senhor é também o dia de repouso do trabalho. Desejamos vivamente que isto seja reconhecido também pela sociedade civil, de modo que se possa ficar livre das obrigações laborais sem ser penalizado por isso. Como já tive ocasião de afirmar, “o trabalho reveste uma importância primária para a realização do homem e o progresso da sociedade; por isso torna-se necessário que aquele seja sempre organizado e realizado no pleno respeito da dignidade humana e ao serviço do bem comum. Ao mesmo tempo, é indispensável que o homem não se deixe escravizar pelo trabalho, que não o idolatre, pretendendo achar nele o sentido último e definitivo da vida”. É no dia consagrado a Deus que o homem compreende o sentido da sua existência e também do trabalho.
Participar na ação litúrgica, comungar o corpo e o sangue de Cristo significa, ao mesmo tempo, tornar cada vez mais íntima e profunda a própria pertença àquele que morreu por nós.
O Papa João Paulo II afirmara que a vida moral “possui o valor de um ‘culto espiritual’, que brota e se alimenta daquela fonte inesgotável de santidade e glorificação de Deus que são os sacramentos, especialmente a Eucaristia: com efeito, ao participar no sacrifício da cruz, o cristão comunga do amor de doação de Cristo, ficando habilitado e comprometido a viver esta mesma caridade em todas as suas atitudes e comportamentos de vida”. Em suma, “no próprio ‘culto’, na comunhão eucarística, está contido o ser amado e o amar por sua vez os outros. Uma Eucaristia que não se traduza em amor concretamente vivido é em si mesma fragmentária”.
Eucaristia, mistério oferecido ao mundo
Cada celebração eucarística atualiza sacramentalmente a doação que Jesus fez da sua própria vida na cruz por nós e pelo mundo inteiro. Ao mesmo tempo, na Eucaristia, Jesus faz de nós testemunhas da compaixão de Deus por cada irmão e irmã; nasce assim, à volta do mistério eucarístico, o serviço da caridade para com o próximo, que “consiste precisamente no fato de eu amar, em Deus e com Deus, a pessoa que não me agrada ou que nem conheço sequer. Isto só é possível realizar-se a partir do encontro íntimo com Deus, um encontro que se tornou comunhão de vontade, chegando mesmo a tocar o sentimento. Então aprendo a ver aquela pessoa já não somente com os meus olhos e sentimentos, mas segundo a perspectiva de Jesus Cristo”. Desta forma, nas pessoas que contato, reconheço irmãs e irmãos, pelos quais o Senhor deu a sua vida amando-os “até ao fim” (Jo 13, 1).
Particularmente o leigo cristão, formado na escola da Eucaristia, é chamado a assumir diretamente a sua responsabilidade político-social; a fim de poder desempenhar adequadamente as suas funções, é preciso prepará-lo através duma educação concreta para a caridade e a justiça. Para isso é necessário que, nas dioceses e comunidades cristãs, se dê a conhecer e incremente a doutrina social da Igreja. Neste precioso patrimônio, nascido da mais antiga tradição eclesial, encontramos os elementos que orientam, com profunda sabedoria, o comportamento dos cristãos nas questões sociais em agitação. Amadurecida durante toda a história da Igreja, esta doutrina caracteriza-se pelo seu realismo e equilíbrio, ajudando assim a evitar promessas enganadoras ou vãs utopias.
CONCLUSÃO
Amados irmãos e irmãs, a Eucaristia está na origem de toda a forma de santidade, sendo cada um de nós chamado à plenitude de vida no Espírito Santo. Quantos santos tornaram autêntica a própria vida, graças à sua piedade eucarística.
Por isso, é necessário que, na Igreja, este mistério santíssimo seja verdadeiramente acreditado, devotamente celebrado e intensamente vivido. A doação que Jesus faz de Si mesmo no sacramento memorial da sua paixão, atesta que o êxito da nossa vida está na participação da vida trinitária, que nos é oferecida nele de forma definitiva e eficaz.
Por intercessão da bem-aventurada Virgem Maria, o Espírito Santo acenda em nós o mesmo ardor que experimentaram os discípulos de Emaús e renove na nossa vida o encanto eucarístico pelo esplendor e a beleza que refulgem no rito litúrgico, sinal eficaz da própria beleza infinita do mistério santo de Deus. Os referidos discípulos levantaram-se e voltaram a toda a pressa para Jerusalém a fim de partilhar a alegria com os irmãos e irmãs na fé. Com efeito, a verdadeira alegria é reconhecer que o Senhor permanece no nosso meio, companheiro fiel do nosso caminho; a Eucaristia faz-nos descobrir que Cristo, morto e ressuscitado, se manifesta como nosso contemporâneo no mistério da Igreja, seu corpo. Deste mistério de amor fomos feitos testemunhas. Os votos que reciprocamente formulamos sejam os de irmos cheios de alegria e maravilha ao encontro da santíssima Eucaristia, para experimentar e anunciar aos outros a verdade das palavras com que Jesus se despediu dos seus discípulos: “Eu estou sempre convosco, até ao fim dos tempos” (Mt 28, 20).