PAPA PIO IX
RESUMO DA BULA INEFFABILIS DEUS
DOGMA DA IMACULADA CONCEIÇÃO DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA
POSIÇÃO E PRIVILÉGIOS DE MARIA NOS DESÍGNIOS DE DEUS
Deus, desde o princípio e antes dos séculos, escolheu e pré-ordenou para seu Filho uma Mãe, na qual ele se encarnaria, e da qual, depois, na feliz plenitude dos tempos, nasceria; em tanto querer a amou acima de todas as criaturas. Por isso, cumulou-a admiravelmente, mais do que todos os Anjos e Santos, da abundância de todos os dons celestes, tirados do tesouro da sua Divindade. Assim, absolutamente sempre livre de qualquer mancha de pecado, toda bela e perfeita, possui tal plenitude de inocência e de santidade, que, depois da de Deus, não se pode conceber outra maior.
E, certamente, era conveniente que esta Mãe brilhasse sempre adornada dos fulgores da santidade mais perfeita, e imune inteiramente da mancha do pecado original, alcançasse o mais belo triunfo sobre a antiga serpente.
TRADIÇÃO DA IGREJA SOBRE A IMACULADA CONCEIÇÃO
A Igreja Católica, que, instruída pelo Espírito de Deus, é “coluna e fundamento da verdade” (1Tm 3,15), sempre considerou como divinamente revelada e como contida no depósito da celeste revelação esta doutrina acerca da inocência original da Virgem; doutrina que está perfeitamente em harmonia com a sua maravilhosa santidade, e com a sua elevada dignidade de Mãe de Deus.
CONSENSO DE DOUTOS, DE BISPOS E DE FAMÍLIAS RELIGIOSAS
Todos sabem com quanto zelo a doutrina da Imaculada Conceição da Virgem Mãe de Deus foi transmitida, sustentada e defendida pelas mais ilustres famílias religiosas, pelas mais célebres academias teológicas e pelos Doutores mais profundos na ciência das coisas divinas. Igualmente, todos conhecem o quanto os bispos têm sido solícitos em sustentar abertamente que a Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus, em previsão dos méritos do Redentor Jesus Cristo, nunca esteve sujeita ao pecado original, e, por isto, foi remida de maneira mais sublime.
O CONCÍLIO DE TRENTO EM HARMONIA COM A TRADIÇÃO
O Concílio de Trento publicou oficialmente o decreto dogmático sobre o pecado original, em harmonia aos testemunhos das Sagradas Escrituras, dos santos Padres e dos concílios mais autorizados, regulamentou e definiu que todos os homens nascem contaminados pelo pecado original, todavia, solenemente, declarou não ser sua intenção abranger no dito decreto e na extensão de uma definição tão geral, a bem-aventurada e Imaculada Virgem Maria. De fato, com essa declaração os Padres tridentinos, de maneira satisfatória, fizeram compreender claramente, por essas circunstâncias, que a beatíssima Virgem Maria foi isenta da culpa original e com isso demonstraram abertamente que nem das divinas Escrituras, nem da autoridade dos Padres, se pode deduzir qualquer argumento que, de qualquer modo, esteja em contradição com esta prerrogativa da Virgem.
E, na verdade, ilustres monumentos da antiga Igreja oriental e ocidental aí estão para atestar que esta doutrina da Imaculada Conceição da beatíssima Virgem, cada vez mais explicada, esclarecida e confirmada pelo autorizadíssimo sentimento, pelo magistério, pelo zelo, pela ciência e pela sabedoria no seio de todas as nações do mundo católico, sempre existiu no seio da mesma Igreja, como recebida por tradição, e revestida do caráter de doutrina revelada.
PENSAMENTO DOS PADRES E DOS ESCRITORES ECLESIÁSTICOS
Ora, os Padres e os escritores eclesiásticos, instruídos pelos divinos ensinamentos, nos livros que escreveram para explicar a Escritura, para defender os dogmas e para instruir os fiéis, tiveram sobretudo a peito pregar e exaltar a suma santidade, a dignidade e a imunidade da Virgem, de toda mancha de pecado, e a sua plena vitória sobre o cruel inimigo do gênero humano.
O PROTOEVANGELHO
Por este motivo, ao explicar as palavras com que, desde as origens do mundo, Deus anunciou os remédios preparados pela sua misericórdia para a regeneração dos homens, confundiu a audácia da serpente enganadora e reergueu as esperanças do gênero humano, dizendo: “Porei inimizades entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela” (Gn 3,15), eles ensinaram que, com esta divina profecia, foi clara e abertamente indicado o misericordioso Redentor do gênero humano, isto é, o Filho Unigênito de Deus, Jesus Cristo; foi designada sua beatíssima Mãe, a Virgem Maria; e, ao mesmo tempo, foi nitidamente expressa a inimizade de um e de outra contra o demônio.
PARALELO COM EVA
Por consequência, para demonstrar a inocência e a justiça original da Mãe de Deus, eles não somente a compararam muitíssimas vezes a Eva ainda virgem, ainda inocente, ainda incorrupta e ainda não enganada pelas mortais insídias da serpente mentirosa, como também a antepuseram a ela com uma maravilhosa variedade de palavras e de expressões. De fato, Eva escutou infelizmente a serpente, e decaiu da inocência original, e tornou-se escrava da serpente; ao contrário, a beatíssima Virgem aumentou continuamente o dom tido na sua origem, e, bem longe de prestar ouvido à serpente, com o divino auxílio quebrou-lhe completamente a violência e o poder.
IMACULADA
E esta doutrina estava tão arraigada na mente e alma dos antigos, que, falando da Mãe de Deus, eles costumavam usar termos verdadeiramente extraordinários e singulares. Chamavam-lhe frequentemente: Imaculada, em tudo e por tudo Imaculada; inocente, antes espelho de inocência; ilibada, e ilibada em todos os sentidos; santa e livre de toda mancha de pecado; toda pura e toda intacta, antes o exemplar da pureza e da inocência; mais bela do que a beleza, mais graciosa do que a graça, mais santa do que a santidade; a única santa, a puríssima de alma e de corpo, que ultrapassou toda integridade e toda virgindade; a única que se tornou sede de todas as graças do Espírito Santo; tão alta que, inferior só a Deus, foi superior a todos; por natureza, mais bela, mais graciosa e mais santa que os próprios Querubins e Serafins e do que todas as legiões dos Anjos; superior a todos os louvores do céu e da terra. E ninguém ignora que esta linguagem foi como que espontaneamente introduzida também nas páginas da santa Liturgia e dos ofícios eclesiásticos, nos quais volta muitíssimas vezes com tom quase dominante. Nessas páginas, de feito, a Mãe de Deus é invocada e exaltada como única pomba de incorruptível beleza, e como a rosa sempre fresca. É invocada e louvada como puríssima, sempre imaculada e sempre bem-aventurada; antes, como a própria inocência que nunca foi lesada, e como a segunda Eva, que deu à luz o Emanuel.
A DEFINIÇÃO DO DOGMA
Por isto, depois de, com humildade e jejum, dirigirmos sem interrupção as nossas preces particulares e as públicas da Igreja, a Deus Pai, por meio de seu Filho, a fim de que se dignasse dirigir e sustentar a nossa mente com a virtude do Espírito Santo; depois de implorarmos com gemidos o Espírito consolador; por sua inspiração, em honra da santa e indivisível Trindade, para decoro e ornamento da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica, e para incremento da religião cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo, e com a nossa, declaramos, pronunciamos e definimos:
Doctrinam, quæ tenet, beatissimam Virginem Mariam in primo instanti suæ conceptionis fuisse singulari omnipotentis Dei gratia et privilegio, intuitu meritorum Christi Jesu Salvatoris humani generis, ab omni originalis culpæ labe præservatam immunem, esse a Deo revelatam atque idcirco ab omnibus fidelibus firmiter constanterque credendam.
A doutrina que defende que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus, e por isto deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis.
Portanto, se alguém (que Deus não permita!) deliberadamente entende e pensa diferentemente do que por nós foi definido, conheça e saiba que está condenado pelo seu próprio juízo, que naufragou na fé, que se separou da unidade da Igreja, e que, além disso, incorreu por si, “ipso facto”, nas penas estabelecidas pelas leis contra aquele que ousa manifestar oralmente ou por escrito os erros do seu coração.
EXORTAÇÃO FINAL
Reafirmamos a nossa esperança naquela que sempre destruiu todas as heresias, salvou os povos fiéis de gravíssimos males, e a nós mesmos têm livrado de tantos perigos que nos ameaçam. Confiamos que ela queira, com a sua eficaz proteção, fazer com que a nossa Santa Madre Igreja Católica, superando todas as dificuldades e dispersando todos os erros, prospere e floresça cada dia mais no meio de todos os povos e em todos os lugares, “do mar ao mar, e do rio até aos confins da terra”, e tenha paz, tranquilidade e liberdade completa; que os culpados alcancem o perdão, os doentes a saúde, os tímidos a força, os aflitos a consolação, os que correm perigo o auxílio; que todos os errantes, dissipada a névoa da sua mente, voltem ao caminho da verdade e da justiça, e haja um só aprisco sob um só Pastor.