RESUMO DA ENCÍCLICA AD PETRI CATHEDRAM
SOBRE O CONHECIMENTO DA VERDADE, RESTAURAÇÃO DA UNIDADE E DA PAZ NA CARIDADE
A VERDADE – O CONHECIMENTO DA VERDADE, ESPECIALMENTE A REVELADA
A causa e a raiz de todos os males que, por assim dizer, envenenam os indivíduos, os povos e as nações, e tantas vezes perturbam o espírito de muitos, está na ignorância da verdade. E não só na ignorância, mas às vezes até no desprezo e no temerário afastamento dela. Daqui erros de toda a espécie, que penetram como peste nas profundezas da alma e se infiltram nas estruturas sociais, desorganizando tudo, com grave ruína dos indivíduos e da sociedade humana. Mas Deus dotou-nos duma razão capaz de conhecer as verdades naturais. Seguindo a razão, seguimos ao próprio Deus, que é o autor dela e ao mesmo tempo legislador e guia da nossa vida; mas, se por loucura ou preguiça, ou, pior ainda, por má vontade, nos afastamos do reto uso da razão, afastamo-nos ao mesmo tempo do sumo bem e da lei moral.
Como dissemos, ainda que possamos atingir com a razão as verdades naturais, contudo, este conhecimento – sobretudo no que se refere à religião e à moral – nem todos podem facilmente consegui-lo; e, se o conseguem, muitas vezes vem misturado com erros. Além disso, as verdades, que ultrapassam a capacidade natural da razão, não podemos de modo nenhum atingi-las sem a ajuda duma luz sobrenatural. Por isso o Verbo de Deus, que “habita a luz inacessível” (1 Tm 6,16), com imenso amor e compaixão do gênero humano “fez-se carne e habitou entre nós” (Jo 1,14), para iluminar “todo o homem que vem a este mundo” (Jo 1,9) e conduzir todos, não só à plenitude da verdade, mas também à virtude e à eterna bem-aventurança. Todos estão, portanto, obrigados a abraçar a doutrina do Evangelho. Uma vez rejeitada, vacilam os próprios fundamentos da verdade, da honestidade e da civilização.
Como é evidente, trata-se duma questão gravíssima, inseparavelmente ligada com a nossa salvação eterna. Aqueles que, como adverte o Apóstolo das gentes, estão “sempre aprendendo mas sem jamais poder atingir o conhecimento da verdade” (2 Tm 3,7), e negam à razão humana a possibilidade de chegar a qualquer verdade certa e segura, e rejeitam as verdades reveladas por Deus, necessárias para a salvação eterna: esses infelizes estão bem longe da doutrina de Jesus Cristo e do pensamento do mesmo Apóstolo das gentes.
Não faltam também os que, sem opor-se de propósito a verdade, tomam uma atitude de negligência e sumo descuido, como se Deus não nos tivesse dado a razão para procurar e alcançar a verdade. Este reprovável modo de proceder conduz, quase espontaneamente, à afirmação absurda de que todas as religiões se equivalem, sem nenhuma diferença entre a verdade e o erro. “Este princípio leva necessariamente à ruína de todas as religiões, especialmente da católica, que, sendo a única verdadeira entre todas, não pode sem grandíssima ofensa ser colocada no mesmo plano que as outras”. Além disso, negar toda a diferença entre coisas tão contraditórias, pode levar à ruinosa conclusão de excluir todas as religiões na teoria e na prática. Como poderia Deus, que é a própria verdade, aprovar ou tolerar a indiferença, a negligência e a insensibilidade daqueles que, em questões de que depende a salvação eterna de todos, não fazem nenhum caso nem se importam de procurar e encontrar as verdades necessárias, nem prestar a Deus o culto que lhe é devido?
UNIDADE, HARMONIA E PAZ – A VERDADE PRESTA NOTÁVEIS SERVIÇOS À CAUSA DA PAZ
Do alcance pleno, íntegro e sincero da verdade deve necessariamente seguir-se a união dos espíritos, dos propósitos e das ações. De fato, qualquer contraste e desacordo encontra a sua primeira causa no fato de a verdade não ser conhecida ou, pior ainda, mesmo conhecida, ser rejeitada por causa das vantagens que muitas vezes se esperam das falsas opiniões, ou por causa daquela reprovável cegueira que leva os homens a justificar os próprios vícios e más ações.
É, pois, necessário que todos, tanto os indivíduos como aqueles que têm nas mãos a sorte dos povos, amem sinceramente a verdade, se querem gozar aquela harmonia e aquela paz, as únicas que podem garantir a verdadeira prosperidade pública e particular.
UNIDADE DA IGREJA – MOTIVOS DE ESPERANÇA BASEADOS NA ORAÇÃO DE JESUS CRISTO
Todos sabem que o nosso divino Redentor fundou uma sociedade que deverá ser una até ao fim dos séculos: “Eis que estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos” (Mt 28,20), e que para o alcançar Jesus Cristo dirigiu ao Pai do Céu uma fervorosa oração, que foi, sem dúvida, aceita e ouvida pela sua reverência. É a seguinte: “Sejam todos um como tu, ó Pai, o és em mim e eu em ti, para que sejam também eles um em nós” (Jo 17,21). Esta oração dá-nos e confirma-nos a doce esperança de que finalmente todas as ovelhas, que não pertencem a este redil, venham a sentir o desejo de a ele voltar; de maneira que, segundo as palavras do Divino Redentor, “haverá um só redil e um só Pastor” (Jo 10,16).
Sem dúvida o nosso Divino Redentor fundou sua Igreja baseando-a e construindo-a em solidíssima unidade; e se – ponhamos a hipótese absurda – o não tivesse feito, teria realizado uma coisa caduca e contraditória pelo menos no futuro, à semelhança do que se dá com os sistemas filosóficos que, abandonados ao arbítrio das várias opiniões humanas, com o decorrer dos tempos vão nascendo um dos outros, se transformam e desaparecem sucessivamente. Ninguém pode deixar de ver quanto isto repugna à doutrina de Jesus Cristo que “é o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6).
Esta unidade que, segundo dissemos, deve ser não coisa vã, incerta e instável, mas sólida, firme e segura, se falta às outras comunidades cristãs, não falta à Igreja Católica, como pode ver quem diligentemente a contemplar. Esta unidade manifesta-se por três notas distintivas: unidade de doutrina, de governo e de culto; e é tal, que se torna visível a todos, de maneira que todos a podem reconhecer e abraçar; é tal esta unidade, que, por vontade do seu Divino Fundador, todas as ovelhas se podem nela reunir num só redil e sob um só Pastor. Desta maneira, todos os filhos serão chamados à única casa paterna, estabelecida sobre o fundamento de Pedro, pois‚ preciso procurar reunir fraternalmente todos os povos, como no único Reino de Deus, reino, cujos súditos, unidos entre si na terra pela harmonia do espírito, gozarão um dia a eterna bem-aventurança no céu.
A Igreja Católica manda crer fiel e firmemente tudo o que Deus revelou, isto é, o que está contido na Sagrada Escritura e na Tradição tanto oral como escrita e, no decurso dos séculos, desde o tempo dos apóstolos foi estabelecido e definido pelos Sumos Pontífices e pelos legítimos Concílios Ecumênicos. Sempre que alguém se afastou desta verdade, a Igreja com a sua materna autoridade não deixou de o chamar repetidamente ao reto caminho. Pois sabe muito bem e defende que há uma só verdade e que não podem admitir-se “verdades” contrárias entre si; faz sua a afirmação do Apóstolo das gentes: “Nada podemos contra a verdade, mas pela verdade” (2 Cor 13,8). Há, porém, não poucos pontos em que a Igreja Católica deixa liberdade de discussão aos teólogos, porque se trata de coisas não de todo certas e também porque tais disputas não quebram a unidade da Igreja, mas pelo contrário levam a maior e mais profunda inteligência dos dogmas, pois aplanam e tornam mais seguro o caminho para este conhecimento; da oposição de várias sentenças sai sempre nova luz. Mas é preciso manter também a norma comum que, expressa com palavras diversas, se atribui a diferentes autores: nas coisas necessárias, unidade; nas duvidosas, liberdade; em todas, caridade.
Haver na Igreja Católica unidade de governo é coisa que todos veem. Como os fiéis estão sujeitos aos sacerdotes, e os sacerdotes aos Bispos “postos pelo Espírito Santo para reger a Igreja de Deus” (At 20,28); assim, todos e cada um dos sagrados pastores estão sujeitos ao romano pontífice, como a quem deve ser considerado sucessor daquele Pedro, que nosso Senhor Jesus Cristo pôs como pedra e fundamento da sua Igreja (cf. Mt 16,18), com o poder de desligar e ligar na terra (cf. Mt 16,19), de confirmar os seus irmãos (cf. Lc 22,32) e de apascentar o rebanho inteiro (Jo 21,15-17).
Quem ignora que a Igreja Católica, desde o tempo dos Apóstolos e pelo decurso dos séculos, teve sempre sete sacramentos, nem mais nem menos, recebidos de Jesus Cristo como herança sagrada, os quais ela distribui em todo o orbe católico, para alimento da vida sobrenatural dos fiéis? E quem ignora que nela se celebra um só sacrifício, o Eucarístico, em que o próprio Cristo, nosso Salvador e Redentor, de modo incruento, mas real, como outrora pregado na cruz do Calvário, se imola cada dia por nós todos, e difunde misericordiosamente sobre nós os tesouros infinitos da sua graça? Por isso, com muita razão notou S. Cipriano: “Não é lícito estabelecer outro altar e um novo sacerdócio, além do único altar e do único sacerdócio”. O que não impede, como todos sabem, que na Igreja Católica existam e estejam aprovados diversos ritos, por meio dos quais ela brilha mais bela, como filha do Sumo Rei, na variedade dos seus ornamentos (cf. Sl 44,15). Para que todos cheguem a essa unidade verdadeira e concorde, o sacerdote católico, ao oferecer o sacrifício eucarístico, oferece a hóstia imaculada pedindo primeiramente a Deus clementíssimo: “pela tua Santa Igreja Católica”, suplicando que “a purifiques, guardes, unas e dirijas em toda a terra; juntamente com teu servo o nosso Papa e todos os que, fiéis à verdadeira doutrina, cultivam a fé‚ católica e apostólica”.
A paz, portanto, que devemos procurar e esforçar-nos por conseguir, deve ser a paz que não cede ao erro, que não se compromete de nenhum modo com apoiadores do erro, que não se entrega aos vícios e que evita toda a discórdia. É paz que exige, da parte dos que a desejam, a pronta renúncia às comodidades e vantagens próprias por causa da verdade e da justiça, segundo a recomendação evangélica: “Procurai primeiro o reino de Deus e a sua justiça…” (Mt 6,33).
A Bem-aventurada Virgem Maria, Rainha da paz, a cujo Coração Imaculado o nosso predecessor Pio XII, de imortal recordação, consagrou o gênero humano, consiga de Deus – como lhe pedimos fervorosamente – unidade concorde, paz verdadeira, operosa e militante, tanto aos nossos filhos em Cristo como a todos aqueles que, embora separados de nós, não podem deixar de amar a verdade, a unidade e a harmonia.