RESUMO DA ENCÍCLICA DIVINI ILLIUS MAGISTRI
ACERCA DA EDUCAÇÃO CRISTÃ DA JUVENTUDE
INTRODUÇÃO
É da máxima importância não errar na educação, como não errar na direção para o fim último com o qual está conexa íntima e necessariamente toda a obra da educação. Depois que Deus se nos revelou no Seu Filho Unigênito que é o único “caminho, verdade e vida”, não pode dar-se educação adequada e perfeita senão a cristã.
Daqui ressalta, com evidência, a importância suprema da educação cristã, não só para cada um dos indivíduos, mas também para as famílias e para toda a sociedade humana, visto que a perfeição desta, resulta necessariamente da perfeição dos elementos que a compõem.
A QUEM PERTENCE A EDUCAÇÃO
São três as sociedades necessárias, distintas e também unidas harmonicamente por Deus, no meio das quais nasce o homem: duas sociedades de ordem natural, que são a família e a sociedade civil; a terceira, a Igreja, de ordem sobrenatural. Primeiramente a família, instituída imediatamente por Deus para o seu fim próprio que é a procriação e a educação da prole, a qual por isso tem a prioridade de natureza, e, portanto, uma prioridade de direitos relativamente à sociedade civil. Embora, a família é uma sociedade imperfeita, porque não possui em si todos os meios para o próprio aperfeiçoamento, ao passo que a sociedade civil é uma sociedade perfeita, tendo em si todos os meios para o próprio fim que é o bem comum temporal, pelo que, sob este aspecto, isto é, em ordem ao bem comum, ela tem a grandeza sobre a família que atinge precisamente na sociedade civil a sua conveniente perfeição temporal.
A terceira sociedade em que nasce o homem, mediante o Batismo, para a vida divina da graça, é a Igreja, sociedade de ordem sobrenatural e universal, sociedade perfeita, porque reúne em si todos os meios para o seu fim que é a salvação eterna dos homens, e, portanto, suprema na sua ordem.
É direito intransferível da Igreja, e simultaneamente seu dever indispensável vigiar por toda a educação de seus filhos, os fiéis, em qualquer instituição, quer pública quer particular, não só no tocante ao ensino aí ministrado, mas em qualquer outra disciplina ou disposição, enquanto estão relacionadas com a religião e a moral.
O exercício deste direito não pode considerar-se intervenção indevida, antes é preciosa providência maternal da Igreja tutelando os seus filhos contra os graves perigos de todo o veneno doutrinal e moral.
Quanto à extensão da missão educativa da Igreja, estende-se, esta, a todos os povos, sem restrição alguma, segundo o preceito de Cristo: “Ensinai todas as gentes”; nem há poder terreno que a possa legitimamente contrastar ou impedir.
À FAMÍLIA
Em primeiro lugar, com a missão educativa da Igreja concorda admiravelmente a missão educativa da família, porque de Deus procedem ambas, de maneira muito semelhante. À família, de fato, na ordem natural, Deus comunica imediatamente a fecundidade, que é princípio de vida, e por isso princípio de educação para a vida, simultaneamente com a autoridade que é princípio de ordem.
A família recebe, portanto, imediatamente do Criador a missão e consequentemente o direito de educar a prole, direito intransferível porque inseparavelmente unido com a obrigação rigorosa, direito anterior a qualquer direito da sociedade civil e do Estado, e por isso inviolável da parte de todo e qualquer poder terreno.
Portanto a sabedoria jurídica da Igreja, assim se exprime, tratando desta matéria com precisão e clareza sintética no Código de Direito Canônico, cân.1113: “os pais são gravemente obrigados a cuidar por todos os meios possíveis da educação, quer religiosa e moral quer física e civil, da prole, e também a prover ao bem temporal da mesma”.
Do que porém não se segue que o direito educativo dos pais seja absoluto ou tirânico, pois que está inseparavelmente subordinado ao fim último e à lei natural e divina, como declara o mesmo Leão XIII na Encíclica “sobre os principais deveres dos cidadãos Cristãos”, onde assim expõe em síntese o resumo dos direitos e deveres dos pais: “Por natureza os pais têm direito à formação dos filhos, com esta obrigação a mais, que a educação e instrução da criança esteja de harmonia com o fim em virtude do qual, por benefício de Deus, tiveram prole. Devem, portanto, os pais esforçar-se e trabalhar energicamente por impedir qualquer atentado nesta matéria, e assegurar de um modo absoluto que lhes fique o poder de educar cristãmente os filhos, como é da sua obrigação, e principalmente o poder de negá-los àquelas escolas em que há o perigo de beberem o triste veneno da impiedade”.
AO ESTADO
Como grandíssimas vantagens derivam para toda a sociedade de um tal primado da missão educadora da Igreja e da família, como temos visto, assim também nenhum dano pode ele causar aos verdadeiros e próprios direitos do Estado relativamente à educação dos cidadãos, segundo a ordem estabelecida por Deus.
Estes direitos são concedidos à sociedade civil pelo próprio autor da Natureza, não a título de paternidade, como à Igreja e à família, mas sim em razão da autoridade que lhe compete para promover o bem comum e temporal, que é precisamente o seu fim próprio. Por consequência, a educação não pode pertencer à sociedade civil do mesmo modo por que pertence à Igreja e à família, mas de maneira diversa, correspondente ao seu próprio fim.
Ora este fim; o bem comum de ordem temporal, consiste na paz e segurança de que as famílias e os cidadãos gozam no exercício dos seus direitos, e simultaneamente no maior bem-estar espiritual e material de que seja capaz a vida presente mediante a união e o coordenamento do esforço de todos.
Dupla é, portanto, a função da autoridade civil, que reside no Estado: proteger e promover, e de modo nenhum absorver a família e o indivíduo, ou substituir-los.
Portanto relativamente à educação, é direito, ou melhor, é dever do Estado proteger com as suas leis o direito anterior da família sobre a educação cristã da prole, como acima indicamos, e por consequência respeitar o direito sobrenatural da Igreja a tal educação cristã.
Dum modo semelhante pertence ao Estado proteger o mesmo direito na prole, quando viesse a faltar, física ou moralmente, a ação dos pais, por defeito, incapacidade ou indignidade, visto que o seu direito de educadores, como acima declaramos, não é absoluto ou tirânico, mas dependente da lei natural e divina, e por isso sujeito à autoridade e juízo da Igreja, e igualmente à vigilância e tutela jurídica do Estado em ordem ao bem comum, tanto mais que a família não é sociedade perfeita que tenha em si todos os meios necessários ao seu aperfeiçoamento. Em tal caso, excepcional de resto, o Estado não se substitui já à família, mas supre as deficiências e providência com os meios apropriados, sempre de harmonia com os direitos naturais da prole e com os sobrenaturais da Igreja.
Em geral, pois, é direito e dever do Estado proteger, em harmonia com as normas da reta razão e da Fé, a educação moral e religiosa da juventude, removendo as causas públicas que lhe sejam contrárias.
O Estado além de observar a justiça distributiva, deve também respeitar os direitos inatos da Igreja e da família sobre a educação cristã. Portanto é injusto e ilícito todo o monopólio educativo ou escolástico, que física ou moralmente constrinja as famílias a frequentar as escolas do Estado, contra as obrigações da consciência cristã ou mesmo contra as suas legítimas preferências.
Tudo o que dissemos até agora da ação do Estado na educação, baseia-se no fundamento seguríssimo e imutável da doutrina católica De Civitatum constitutione christiana, tão excelentemente exposta pelo Nosso Predecessor Leão XIII, especialmente nas encíclicas Immortale Dei e Sapientiae christianae, da seguinte forma: “Deus dividiu entre dois poderes o governo do gênero humano, o eclesiástico e o civil, um para prover às coisas divinas e outro às humanas: ambos supremos, cada um na sua esfera; ambos têm confins determinados, que lhe limitam, e marcados pela própria natureza e fim próximo de cada um; de modo que chega a descrever-se como que uma esfera dentro da qual se exerce, com exclusivo direito, a ação de cada um. Mas como a estes dois poderes estão sujeitos os mesmos súditos, podendo dar-se que a mesma matéria, embora sob aspectos diversos pertença à competência e juízo de cada um deles, Deus providentíssimo, de Quem ambos brotam, deve ter marcado a cada um os seus caminhos. Os poderes que existem são regulados por Deus”.
Ora a educação da juventude é precisamente uma daquelas coisas que pertencem à Igreja e ao Estado, “embora de modo diverso”, como acima indicamos. Portanto — prossegue Leão XIII — deve reinar entre os dois poderes uma ordenada harmonia; a qual é comparada e com razão àquela pela qual a alma e o corpo se unem no homem.
Se alguém recusasse admitir estes princípios e consequentemente aplicá-los à educação, chegaria necessariamente a negar que Cristo fundou a sua Igreja para a eterna salvação dos homens, e a sustentar que a sociedade civil e o Estado não estão sujeitos a Deus e à sua lei natural e divina.
Ora isto é evidentemente ímpio, contrário à sua razão e principalmente em matéria de educação extremamente pernicioso à reta formação da juventude e seguramente ruinoso para a mesma sociedade civil e para o bem-estar social.
SUJEITO DA EDUCAÇÃO
Com efeito, nunca deve perder-se de vista que o sujeito da educação cristã é o homem, o homem todo, espírito unido ao corpo em unidade de natureza, com todas as suas faculdades naturais e sobrenaturais, como no-lo dão a conhecer a reta razão e a Revelação. Permanecem, portanto, na natureza humana os efeitos do pecado original, particularmente o enfraquecimento da vontade e as tendências desordenadas.
“A estupidez está no coração da criança e a vara da disciplina dali a expulsará”. Devem-se, portanto, corrigir as inclinações desordenadas, excitar e ordenar as boas, desde a mais tenra infância, e sobretudo deve iluminar-se a inteligência e fortalecer-se a vontade com as verdades sobrenaturais e os auxílios da graça, sem a qual não se pode, nem dominar as inclinações perversas, nem conseguir a devida perfeição educativa da Igreja, perfeita e completamente dotada por Cristo com a divina doutrina e os Sacramentos, meios eficazes da Graça.
É falso portanto todo o naturalismo pedagógico que, na educação da juventude, exclui ou menospreza por todos os meios a formação sobrenatural cristã; é também errado todo o método de educação que, no todo ou em parte se funda sobre a negação ou esquecimento do pecado original e da graça, e, por conseguinte, unicamente sobre as forças da natureza humana.
Tais são na sua generalidade aqueles sistemas modernos, de vários nomes, que apelam para uma pretendida autonomia e ilimitada liberdade da criança, e que diminuem ou suprimem até a autoridade e a ação do educador, atribuindo ao educando um primado exclusivo de iniciativa e uma atividade independente de toda a lei superior natural e divina, na obra da sua educação.
Infelizmente com o significado óbvio das expressões, e com o mesmo fato, pretendem muitos subtrair a educação a toda a dependência da lei divina. Por isso em nossos dias se dá o caso, realmente bastante estranho, de educadores e filósofos que se afadigam à procura de um código moral e universal de educação, como se não existisse nem o Decálogo, nem a lei evangélica, nem tão pouco a lei natural, esculpida por Deus no coração do homem, promulgada pela reta razão, codificada com revelação positiva pelo mesmo Deus no Decálogo. E da mesma forma, costumam tais inovadores, como por desprezo, denominar “passiva”, “atrasada”, a educação cristã, porque esta se funda na autoridade divina e na sua santa lei.
Estes iludem-se miseravelmente com a pretensão de libertar, como dizem, a criança, enquanto que antes a tornam escrava do seu orgulho cego e das suas paixões desordenadas, visto que estas, por uma consequência lógica daqueles falsos sistemas, vêm a ser justificadas como legítimas exigências da natureza pseudo-autônoma.
AMBIENTE DA EDUCAÇÃO
O primeiro ambiente natural e necessário da educação é a família, precisamente a isto destinada pelo Criador. De modo que, em geral, a educação mais eficaz e duradoura é aquela que se recebe numa família cristã bem ordenada e disciplinada, tanto mais eficaz quanto mais clara e constantemente aí brilhar, sobretudo o bom exemplo dos pais e dos outros domésticos.
Para debilitar a influência do ambiente familiar, acresce hoje o fato de que, quase por toda a parte, se tende a afastar cada vez mais da família a juventude, desde os mais tenros anos, sob vários pretextos, quer econômicos, industriais ou comerciais, quer mesmo políticos; e há regiões aonde se arrancam as crianças do seio da família para as formar ou com mais verdade para as deformar e depravar em associações e escolas sem Deus, na irreligiosidade, no ódio, segundo as avançadas teorias socialistas, repetindo-se um novo e mais horroroso massacre dos inocentes.
Escola
E sendo necessário que as novas gerações sejam instruídas nas artes e disciplinas com as quais aproveita e prospera a convivência civil, e sendo para esta obra a família, por si só, insuficiente, daí vem a instituição social da escola, primeiramente, note-se bem, por iniciativa da família e da Igreja, e só mais tarde por obra do Estado. Por esta razão, a escola, considerada até nas suas origens históricas, é por sua natureza instituição subsidiária e complementar da família e da Igreja, e portanto, por lógica necessidade moral deve não somente não contraditar, mas harmonizar-se positivamente com os outros dois ambientes, na mais perfeita unidade moral possível, a ponto de poder constituir juntamente com a família e com a Igreja, um único santuário, sacro para a educação cristã, sob pena de falir no seu escopo, e de converter-se, em caso contrário, em obra de destruição.
Daqui resulta precisamente que a escola chamada neutra ou laica, donde é excluída a religião, é contrária aos princípios fundamentais da educação. De resto uma tal escola é praticamente impossível, porque de fato torna-se irreligiosa. Não ocorre repetir aqui quanto acerca deste assunto disseram os Nossos Predecessores, nomeadamente Pio IX e Leão XIII, em cujos tempos começou particularmente a dominar o laicismo na escola pública. Nós renovamos e confirmamos as suas declarações, e juntamente as prescrições dos Sagrados Cânones pelas quais é proibida aos jovens católicos a frequência de escolas acatólicas, neutras ou mistas, isto é, daquelas que são abertas indiferentemente para católicos e não católicos, sem distinção, e só pode tolerar-se tal frequência unicamente em determinadas circunstâncias de lugar e de tempo, e sob especiais cautelas de que é juiz o Ordinário.
E não pode admitir-se para os católicos a escola mista (pior se única e obrigatória para todos), na qual, dando-se lhes em separado a instrução religiosa, eles recebem o resto do ensino em comum com os alunos não católicos de professores acatólicos.
Para este efeito é indispensável que todo o ensino e toda a organização da escola: mestres, programas, livros, em todas as disciplinas, sejam regidos pelo espírito cristão, sob a direção e vigilância maternal da Igreja católica, de modo que a Religião seja verdadeiramente fundamento e coroa de toda a instrução, em todos os graus, não só elementar, mas também média e superior.
Procurando para seus filhos a escola católica, os católicos de qualquer nação do mundo não exercem uma ação política de partido, mas sim uma ação religiosa indispensável à sua consciência; e não entendem já separar os seus filhos do corpo e do espírito nacional, mas antes educá-los dum modo mais perfeito e mais tendente à prosperidade da nação, pois que o bom católico, precisamente em virtude da doutrina católica, é por isso mesmo o melhor cidadão, amante da sua Pátria e lealmente submisso à autoridade civil constituída em qualquer legítima forma de governo.
Nesta escola, em harmonia com a Igreja e com a família cristã, não acontecerá que, nos vários ramos de ensino, se contradiga, com evidente dano da educação, o que os discípulos aprendem na instrução religiosa; e se for necessário fazer-lhes conhecer, por escrupulosa consciência de magistério, as obras erróneas para as refutar, que seja isso feito com tal preparação e tal antídoto de sã doutrina que resulte para a formação cristã da juventude grande vantagem e não prejuízo.
As boas escolas são fruto, não tanto dos bons regulamentos, como principalmente dos bons mestres que, nobremente preparados e instruídos, cada qual na disciplina que deve ensinar, e adornados das qualidades intelectuais e morais exigidas pelo seu importantíssimo ofício, se abrasam dum amor puro e divino para com os jovens que lhes foram confiados, precisamente porque amam Jesus Cristo e a sua Igreja de quem eles são filhos prediletos, e por isso mesmo têm verdadeiramente a peito o bem das famílias e da sua Pátria.
FIM E FORMA DA EDUCAÇÃO CRISTÃ
O fim próprio e imediato da educação cristã é cooperar com a graça divina na formação do verdadeiro e perfeito cristão, isto é, formar o mesmo Cristo nos regenerados pelo Batismo. Por isso o verdadeiro cristão, fruto da verdadeira educação cristã, é o homem sobrenatural que pensa, julga e opera constantemente e coerentemente, segundo a sã razão iluminada pela luz sobrenatural dos exemplos e doutrina de Cristo.
Por consequência o verdadeiro cristão, em vez de renunciar às obras da vida terrena ou diminuir as suas faculdades naturais, antes as desenvolve e aperfeiçoa, coordenando-as com a vida sobrenatural, de modo a enobrecer a mesma vida natural, e a procurar-lhe utilidade mais eficaz, não só de ordem espiritual e eterna, mas também material e temporal.
Isto é provado por toda a história do cristianismo e das suas instituições, a qual se identifica com a história da verdadeira civilização e do genuíno progresso até aos nossos dias; e particularmente pelos Santos de que é fecundíssima a Igreja, e só ela, os quais conseguiram em grau perfeitíssimo, o fim ou escopo da educação cristã, e enobreceram e elevaram a convivência humana em toda a espécie de bens.