RESUMO DA ENCÍCLICA SACRA VIRGINITAS
SOBRE A SAGRADA VIRGINDADE
INTRODUÇÃO
A sagrada virgindade e a perfeita castidade consagrada ao serviço de Deus contam-se sem dúvida entre os mais preciosos tesouros deixados como herança à Igreja pelo seu Fundador. Por isso, os santos padres observam que a virgindade perpétua é um bem digno de louvor nascido da religião cristã.
Não se pode contar a multidão daqueles que, desde os começos da Igreja até aos nossos tempos, dedicaram a sua castidade a Deus, uns conservando pura a própria virgindade, outros consagrando-lhe para sempre a viuvez, outros finalmente escolhendo, em penitência dos seus pecados, uma vida perfeitamente casta; todos esses, porém, propuseram abster-se para sempre dos deleites da carne por amor de Deus.
A castidade perfeita é a matéria de um dos três votos constitutivos do estado religioso e exigida aos clérigos da Igreja latina para as ordens maiores e também aos membros dos institutos seculares. Mas é igualmente praticada por grande número de simples leigos: homens e mulheres há que, sem viverem em estado público de perfeição, fizeram o propósito ou mesmo o voto privado de se abster completamente do matrimônio e dos prazeres da carne para mais livremente servir ao próximo, e mais fácil e intimamente se unirem com Deus.
A DOUTRINA SOBRE A VIRGINDADE
Daqui se segue – como os santos padres e os doutores da Igreja claramente ensinaram – que a virgindade não é virtude cristã se não é praticada “por amor do reino dos céus” (Mt 19, 12); isto é, para mais facilmente nos entregarmos às coisas divinas, para mais seguramente alcançarmos a bem-aventurança, e para mais livre e eficazmente podermos levar os outros para o reino dos céus.
Não podem, portanto, reivindicar o título de virgens as pessoas que se abstêm do matrimônio por puro egoísmo, ou para evitarem seus encargos, como nota Santo Agostinho, ou ainda por amor farisaico e orgulhoso da própria integridade corporal: já o concílio de Gangres condena a virgem e o continente que se afastam do matrimônio por considerarem-no coisa abominável, e não por se moverem pela beleza e santidade da virgindade.
Além disso, o apóstolo das gentes, inspirado pelo Espírito Santo, observa: “Quem está sem mulher, está cuidadoso das coisas que são do Senhor, como há de agradar a Deus… E a mulher solteira e virgem cuida das coisas que são do Senhor, para ser santa de corpo e de espírito” (1Cor 7, 32.34). É essa, portanto, a finalidade primordial e a razão principal da virgindade cristã: encaminhar-se apenas para as coisas de Deus e orientar, para ele só, o espírito e o coração; querer agradar a Deus em tudo; concentrar nele o pensamento e consagrar-lhe inteiramente o corpo e a alma.
É portanto o amor, e só o amor, que leva suavemente a virgem a consagrar completamente o corpo e a alma ao divino Redentor, segundo o pensamento que São Metódio, bispo de Olimpo, atribui tão belamente a uma delas: “Tu, Cristo, és tudo para mim. É para ti que me conservo casta, e com a lâmpada acesa vou ao teu encontro, ó meu Esposo”. Sim, é o amor de Cristo que convence a virgem a encerrar-se para sempre nos muros de um mosteiro, a fim de contemplar e amar, mais fácil e livremente, o celeste Esposo; e é ele ainda que a leva a praticar, com todas as forças, as obras de misericórdia para o bem do próximo.
Julgamos oportuno mostrar agora mais exatamente por que motivo o amor de Cristo leva as almas generosas a renunciarem ao matrimônio, e quais são os laços misteriosos que existem entre a virgindade e a perfeição da caridade cristã. Já as palavras de Jesus Cristo davam a entender que a perfeita abstenção do matrimônio liberta os homens dos pesados encargos e deveres deste. Inspirado pelo Espírito Santo, o apóstolo das gentes dá o motivo desta libertação: “Quero que vivais sem inquietação… O que está casado está cuidadoso das coisas que são do mundo, como há de agradar a sua mulher, e está dividido” (l Cor 7, 32-33). Note-se porém que o Apóstolo não repreende os maridos por estarem cuidadosos das esposas, nem as esposas por procurarem agradar aos maridos; mas nota que estão divididos os corações entre o amor do cônjuge e o amor de Deus, e que estão demasiado absorvidos pelos cuidados e obrigações da vida conjugal para poderem entregar-se facilmente à meditação das coisas divinas. Porque o dever do casamento prescreve claramente: “Serão dois numa só carne” (Gn 2, 24; cf. Mt 19, 5). Os esposos estão ligados um ao outro tanto na infelicidade como na felicidade (cf. l Cor 7, 39). Compreende-se portanto por que é que as pessoas, que desejam dedicar-se ao divino serviço, abraçam o estado de virgindade como libertação, quer dizer, para poderem mais inteiramente servir a Deus e contribuir com todas as forças para o bem do próximo.
Mas há ainda outra razão para abraçarem o estado de virgindade todos os que se querem dedicar completamente a Deus e à salvação do próximo. Os santos padres enumeram todas as vantagens, para o progresso na vida espiritual, de uma completa renúncia aos prazeres da carne. Sem dúvida tal prazer, legítimo no casamento, não é repreensível em si mesmo; pelo contrário, o uso casto do casamento está exaltado e santificado por um sacramento. Todavia, tem de se reconhecer igualmente que as faculdades inferiores da natureza humana, em consequência da queda do nosso primeiro pai, resistem à reta razão e algumas vezes até levam o homem a cometer atos desonestos.
É sobretudo por esse motivo que se deve afirmar como ensina a Igreja – que a santa virgindade é mais excelente que o matrimônio. Já o divino Redentor a aconselhara aos discípulos como vida mais perfeita (cf. Mt 19, 10-11); e São Paulo, depois de dizer que o pai que dá em casamento a filha “faz bem”, acrescenta logo a seguir: “E quem não a casa, faz melhor ainda” (1Cor 7,38). Se portanto a virgindade, como dissemos, é mais excelente que o matrimônio, isso vem em primeiro lugar de ela ter um fim mais alto: contribui com a maior eficácia para nos dedicarmos completamente ao divino serviço, enquanto o coração das pessoas casadas sempre estará mais ou menos “dividido” (cf. 1 Cor 7,33).
Enfim, a virgindade consagrada a Cristo constitui, por si mesma, tal testemunho de fé no reino dos Céus e tal prova de amor ao divino Redentor, que não é de admirar dê frutos tão abundantes de santidade. Inumeráveis são as virgens e os apóstolos que professam a castidade perfeita; constituem a honra da Igreja pela excelsa santidade da sua vida.
A maior glória das virgens está em serem elas imagens vivas da perfeita integridade que une a Igreja com o seu Esposo divino; e esta sociedade fundada por Cristo alegra-se o mais possível ao ver que as virgens são o sinal maravilhoso da sua santidade e da sua fecundidade espiritual.
REFUTAÇÃO DOS ERROS OPOSTOS À VIRGINDADE E AO CELIBATO
A castidade não é nociva ao organismo humano
Primeiramente, afastam-se do senso comum, a que a Igreja sempre atendeu, aqueles que veem no instinto sexual a mais importante e mais profunda das tendências humanas, e concluem daí que o homem não o pode coibir durante toda a sua vida sem perigo para o organismo e sem prejuízo do equilíbrio da sua personalidade.
Ora, segundo a acertada observação de santo Tomás, a mais profunda das inclinações naturais é o instinto da conservação: o instinto sexual não vem senão em segundo lugar. Além disso, compete à razão, privilégio singular da nossa natureza, regular essas tendências e instintos profundos e, por meio da direção que lhes dá, engrandecê-los.
Infelizmente, depois do pecado de Adão, as faculdades e as paixões do corpo, estando alteradas, não só procuram dominar os sentidos mas até o espírito, obscurecendo a razão e enfraquecendo a vontade. Mas nos é dada a graça de Cristo, especialmente nos sacramentos, para nos ajudar a manter o nosso corpo em servidão e a viver do espírito.
A virtude da castidade não exige de nós que nos tornemos insensíveis ao estímulo da concupiscência, mas que o subordinemos à razão e à lei da graça, esforçando-nos, segundo as próprias forças, por seguir o que é mais perfeito na vida humana e cristã.
A santificação não é mais fácil no matrimônio que na virgindade
Reprovamos recentemente com tristeza a opinião que apresenta o casamento como meio único de garantir à personalidade humana o seu desenvolvimento e a sua perfeição natural. Alguns afirmam, de fato, que a graça, comunicada ex opere operato pelo sacramento do matrimônio, santifica o uso do casamento a ponto de o tornar instrumento mais eficaz que a mesma virgindade para unir as almas a Deus, porque o casamento cristão é um sacramento, mas não o é a virgindade. Nós declaramos, porém, essa doutrina falsa e nociva. Sem dúvida, o sacramento concede aos esposos a graça de cumprirem santamente o dever conjugal e reforça os laços do afeto recíproco que os une; mas não foi instituído para fazer do uso do matrimônio o meio mais apto, em si, para unir com o próprio Deus a alma dos esposos pelos laços da caridade. Quando o apóstolo São Paulo reconhece aos esposos o direito de se absterem algum tempo do uso do casamento para se entregarem a oração (cf. 1 Cor 7, 5), não é exatamente porque tal renúncia torna a alma mais livre para se dar às coisas divinas e orar?
Finalmente, não se pode afirmar, como fazem alguns, que “a ajuda mútua”, que os esposos procuram no matrimônio cristão, é ajuda mais perfeita para conseguir a santidade do que a conhecida solidão do coração das virgens e dos continentes. Pois, embora a renúncia a tal amor humano, não se pode dizer que as pessoas, que abraçam o estado de perfeita castidade, empobrecem por isso mesmo a sua personalidade humana. De fato, recebem do próprio Deus um socorro espiritual muito superior à “mútua ajuda” prestada pelos cônjuges entre si. Dedicando-se completamente àquele que é seu princípio e lhes dá a participação da sua vida divina, longe de se diminuírem a si mesmos, só se engrandecem o mais possível. Quem, com mais verdade que os virgens, pode aplicar a si aquelas admiráveis palavras do apóstolo São Paulo: “Vivo, já não eu, mas é Cristo que vive em mim”? (Gl 2, 20).
Por esse motivo, a Igreja mantém sapientissimamente o celibato dos padres; sabe que ele é e há de ser fonte de graças espirituais e de união com Deus, cada vez mais íntima.
O apostolado não é mais eficaz no matrimônio do que na virgindade
Parece-nos útil dizer também alguma coisa dos que afastam a juventude dos seminários e institutos religiosos, esforçando-se por incutir a ideia de que hoje a Igreja tem maior necessidade do auxílio e da profissão da vida cristã dos casados, vivendo no século como os demais, do que dos sacerdotes e das religiosas, que por assim dizer se separaram do mundo pelo voto de castidade. Semelhante ideia é completamente falsa e muito perniciosa.
Não é certamente intenção nossa negar a fecundidade do testemunho que os esposos católicos podem dar, com o exemplo da vida e a eficácia da virtude, em todos os lugares e circunstâncias. Mas invocar esse motivo para aconselhar que se prega o matrimônio à consagração total a Deus é inverter e transtornar a reta ordem das coisas. Mas, como o exige a consciência do nosso dever, não podemos deixar de reprovar em absoluto os maus conselheiros, que afastam jovens de entrarem nos seminários ou na vida religiosa, sob o pretexto que farão maior bem como pais ou mães de família, professando a vida cristã publicamente à vista de todos.
CONSEQUÊNCIA PRÁTICA DA DOUTRINA SOBRE A EXCELÊNCIA DA VIRGINDADE
Deve-se conceder sem rodeios que, por ser a virgindade mais perfeita que o matrimônio, não se segue que seja necessária para alcançar a perfeição cristã. Pode-se chegar a ser santo mesmo sem fazer voto de castidade, como o provam numerosos santos e santas, que a Igreja honra com culto público, os quais foram fiéis esposos e deram exemplo de excelentes pais ou mães de família; além disso, não raro se encontram pessoas casadas que buscam com todo o empenho a perfeição cristã. A castidade é consequência duma escolha livre e prudente.
A castidade perfeita exige, da parte dos cristãos, que a escolham livremente, antes de se oferecerem totalmente a Deus; e, da parte de Deus, que ele comunique o seu dom e a sua graça.
A virgindade é virtude difícil: para a abraçar, não se requer apenas o propósito firme e expresso de renunciar completa e perpetuamente aos prazeres legítimos do matrimônio; é preciso também dominar e acalmar, com vigilância e combate constantes, as revoltas da carne e as paixões do coração, fugir das solicitações do mundo e vencer as tentações do demônio.
Mas, se a castidade consagrada a Deus é virtude difícil, a sua prática fiel e perfeita é possível às almas que, depois de tudo bem ponderado, correspondem generosamente ao convite de Jesus Cristo e fazem quanto podem para a observar. Com efeito, se abraçarem este estado de virgindade ou de celibato, receberão de Deus o dom da graça para cumprirem o propósito feito. Por isso, se encontrarem pessoas “que não sentem ter o dom da castidade (mesmo depois de terem feito o voto)”, não julguem por isso que não podem satisfazer às suas obrigações nesta matéria: Porque “Deus não manda coisas impossíveis; mas, ao mandar, recomenda que se faça o que se pode, que se peça o que não se pode – e ajuda a poder”.
O socorro da oração e dos sacramentos
Para conservar pura a castidade não bastam a vigilância e o pudor. É preciso recorrer também aos meios sobrenaturais: à oração, aos sacramentos da penitência e da eucaristia, e a uma devoção ardente à virgem Mãe de Deus.
Nunca devemos esquecer que é dom divino a castidade perfeita. “Foi dado àqueles que o pediram”, nota São Jerônimo (cf. Mt 19, 11), “àqueles que o quiseram, àqueles que trabalharam para o receber. Porque a todo aquele que pede ser-lhe-á dado, aquele que procura encontrará e a quem bate ser-lhe-á aberto” (cf. Mt 7, 8). Acrescenta Santo Ambrósio que da oração depende a constante fidelidade das virgens ao seu divino Esposo. E Santo Afonso Maria de Ligório, com a ardentíssima piedade que o caracterizava, ensina que não há meio mais necessário e mais eficaz para vencer as tentações contra a virtude angélica do que o recurso imediato a Deus pela oração.
À oração tem de se juntar o sacramento da penitência, que, sendo recebido com frequência e preparação, é remédio espiritual que purifica e sara; e também a sagrada Eucaristia, que na expressão do nosso predecessor de imortal memória, Leão XIII, é o melhor “remédio contra a concupiscência”. Quanto mais casta é a alma, tanto mais fome tem deste pão, que dá a força contra todas as seduções impuras e une mais intimamente ao divino Esposo: “O que come a minha carne e bebe o meu sangue, permanece em mim e eu nele” (Jo 6, 57).
A devoção a nossa Senhora
Mas, para conservar e estimular a castidade perfeita, existe um meio que a experiência dos séculos mostra repetidamente ter valor extraordinário: é a sólida e fervorosa devoção a nossa Senhora. Em certo modo, essa devoção encerra em si todos os outros meios: quem a cultiva sincera e profundamente é levado a vigiar e a orar, a aproximar-se do tribunal da penitência e da sagrada mesa. Por isso exortamos com afeto paternal os sacerdotes, os religiosos e as religiosas a colocarem-se debaixo da proteção da augusta Mãe de Deus, que, sendo a virgem das virgens, é, como afirma santo Ambrósio, “a mestra da virgindade” e, de modo especial, a mãe poderosíssima das almas consagradas a Deus.