RESUMO DA ENCÍCLICA ECCLESIA DE EUCHARISTIA
SOBRE A EUCARISTIA NA SUA RELAÇÃO COM A IGREJA
INTRODUÇÃO
A Igreja vive da Eucaristia. Esta verdade não exprime apenas uma experiência diária de fé, mas contém em síntese o próprio núcleo do mistério da Igreja. É com alegria que ela experimenta, de diversas maneiras, a realização incessante desta promessa: “Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo” (Mt 28, 20); mas, na sagrada Eucaristia, pela conversão do pão e do vinho no corpo e no sangue do Senhor, goza desta presença com uma intensidade sem par.
O Concílio Vaticano II justamente afirmou que o sacrifício eucarístico é “fonte e centro de toda a vida cristã”. Com efeito, “na santíssima Eucaristia, está contido todo o tesouro espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, a nossa Páscoa e o pão vivo que dá aos homens a vida mediante a sua carne vivificada e vivificadora pelo Espírito Santo”. Por isso, o olhar da Igreja volta-se continuamente para o seu Senhor, presente no sacramento do Altar, onde descobre a plena manifestação do seu imenso amor.
Há, no evento pascal e na Eucaristia que o atualiza ao longo dos séculos, uma “capacidade” realmente imensa, na qual está contida a história inteira, enquanto destinatária da graça da redenção. Esta maravilha deve invadir sempre a assembleia eclesial reunida para a celebração eucarística; mas, de maneira especial, deve inundar o ministro da Eucaristia, o qual, pela faculdade recebida na Ordenação sacerdotal, realiza a consagração; é ele, com o poder que lhe vem de Cristo, do Cenáculo, que pronuncia: “Isto é o meu Corpo que será entregue por vós”; “este é o cálice do meu Sangue, […] que será derramado por vós”. O sacerdote pronuncia estas palavras ou, antes, coloca a sua boca e a sua voz à disposição daquele que as pronunciou no Cenáculo e quis que fossem repetidas de geração em geração por todos aqueles que, na Igreja, participam ministerialmente do seu sacerdócio.
Contemplar Cristo implica saber reconhecê-lo onde quer que Ele Se manifeste, com as suas diversas presenças mas sobretudo no sacramento vivo do seu corpo e do seu sangue. A Igreja vive de Jesus eucarístico, por Ele é nutrida, por Ele é iluminada. A Eucaristia é mistério de fé e, ao mesmo tempo, “mistério de luz”. Sempre que a Igreja a celebra, os fiéis podem de certo modo reviver a experiência dos dois discípulos de Emaús: “Abriram-se-lhes os olhos e reconheceram-no” (Lc 24, 31).
MISTÉRIO DA FÉ
“O Senhor Jesus, na noite em que foi entregue” (1 Cor 11, 23), instituiu o sacrifício eucarístico do seu corpo e sangue. As palavras do apóstolo Paulo recordam-nos as circunstâncias dramáticas em que nasceu a Eucaristia. Esta tem permanentemente inscrito nela o evento da paixão e morte do Senhor. Não é só a sua recordação, mas presença sacramental. É o sacrifício da cruz que se perpetua através dos séculos. Esta verdade está claramente expressa nas palavras com que o povo, no rito latino, responde à proclamação “mistério da fé” feita pelo sacerdote: “Anunciamos, Senhor, a vossa morte”.
Quando a Igreja celebra a Eucaristia, memorial da morte e ressurreição do seu Senhor, este acontecimento central de salvação torna-se realmente presente e “realiza-se também a obra da nossa redenção”. Verdadeiramente, na Eucaristia demonstra-nos um amor levado até ao “extremo” (cf. Jo 13, 1), um amor sem medida. “A Missa é, ao mesmo tempo e inseparavelmente, o memorial sacrificial em que se perpetua o sacrifício da cruz e o banquete sagrado da comunhão do corpo e sangue do Senhor”.
A Missa torna presente o sacrifício da cruz; não é mais um, nem o multiplica. O que se repete é a celebração memorial de modo que o único e definitivo sacrifício redentor de Cristo se atualiza incessantemente no tempo. Portanto, a natureza sacrificial do mistério eucarístico não pode ser entendida como algo isolado, independente da cruz ou com uma referência apenas indireta ao sacrifício do Calvário.
Ao entregar à Igreja o seu sacrifício, Cristo quis também assumir o sacrifício espiritual da Igreja, chamada por sua vez a oferecer-se a si própria juntamente com o sacrifício de Cristo. Assim no-lo ensina o Concílio Vaticano II: “Pela participação no sacrifício eucarístico de Cristo, fonte e centro de toda a vida cristã, [os fiéis] oferecem a Deus a vítima divina e a si mesmos juntamente com ela”.
A Páscoa de Cristo inclui, juntamente com a paixão e morte, a sua ressurreição. Assim o lembra a aclamação da assembleia depois da consagração: “Proclamamos a vossa ressurreição”. Com efeito, o sacrifício eucarístico torna presente não só o mistério da paixão e morte do Salvador, mas também o mistério da ressurreição, que dá ao sacrifício a sua coroação. Por estar vivo e ressuscitado é que Cristo pode tornar-se “pão da vida”, “pão vivo”, na Eucaristia.
Através da comunhão do seu corpo e sangue, Cristo comunica-nos também o seu Espírito. Assim, pelo dom do seu corpo e sangue, Cristo aumenta em nós o dom do seu Espírito, já infundido no Batismo e recebido como “selo” no sacramento da Confirmação.
Quem se alimenta de Cristo na Eucaristia não precisa esperar o Além para receber a vida eterna: já a possui na terra, como primícias da plenitude futura, que envolverá o homem na sua totalidade. Pela Eucaristia, assimila-se, por assim dizer, o “segredo” da ressurreição. Por isso, S. Inácio de Antioquia justamente definia o Pão eucarístico como “remédio de imortalidade, antídoto para não morrer”. A Eucaristia é verdadeiramente um pedaço de céu que se abre sobre a terra; é um raio de glória da Jerusalém celeste, que atravessa as nuvens da nossa história e vem iluminar o nosso caminho.
A EUCARISTIA EDIFICA A IGREJA
O Concílio Vaticano II veio recordar que a celebração eucarística está no centro do processo de crescimento da Igreja. De fato, depois de afirmar que “a Igreja, ou seja, o Reino de Cristo já presente em mistério, cresce visivelmente no mundo pelo poder de Deus”, querendo de algum modo responder à questão sobre o modo como cresce, acrescenta: “Sempre que no altar se celebra o sacrifício da cruz, realiza-se também a obra da nossa redenção. Pelo sacramento do pão eucarístico, ao mesmo tempo é representada e se realiza a unidade dos fiéis, que constituem um só corpo em Cristo”.
No Cenáculo, os Apóstolos, tendo aceite o convite de Jesus: “Tomai, comei […]. Bebei dele todos” (Mt 26, 26.27), entraram pela primeira vez em comunhão sacramental com Ele. Desde então e até ao fim dos séculos, a Igreja edifica-se através da comunhão sacramental com o Filho de Deus imolado por nós.
A incorporação em Cristo, realizada pelo Batismo, renova-se e consolida-se continuamente através da participação no sacrifício eucarístico, sobretudo na sua forma plena que é a comunhão sacramental. Podemos dizer não só que cada um de nós recebe Cristo, mas também que Cristo recebe cada um de nós. A Eucaristia consolida a incorporação em Cristo operada no Batismo pelo dom do Espírito.
A EUCARISTIA E A COMUNHÃO ECLESIAL
Com grande intuição de fé, um ilustre escritor de tradição bizantina assim exprimia esta verdade: na Eucaristia, “mais do que em qualquer outro sacramento, o mistério [da comunhão] é tão perfeito que conduz ao ápice de todos os bens: nela está o termo último de todo o desejo humano, porque nela alcançamos Deus e Deus une-se conosco pela união mais perfeita”. Por isso mesmo, é conveniente cultivar continuamente na alma o desejo do sacramento da Eucaristia. Daqui nasceu a prática da “comunhão espiritual” em uso na Igreja há séculos, recomendada por santos mestres de vida espiritual. Escrevia S. Teresa de Jesus: “Quando não comungais e não participais na Missa, comungai espiritualmente, porque é muito vantajoso. […] Deste modo, imprime-se em vós muito do amor de nosso Senhor”.
A celebração da Eucaristia não pode ser o ponto de partida da comunhão, cuja existência pressupõe, visando a sua consolidação e perfeição. O sacramento exprime esse vínculo de comunhão quer na dimensão invisível que em Cristo, pela ação do Espírito Santo, nos une ao Pai e entre nós, quer na dimensão visível que implica a comunhão com a doutrina dos Apóstolos, os sacramentos e a ordem hierárquica.
A comunhão invisível, embora por natureza esteja sempre em crescimento, supõe a vida da graça, pela qual nos tornamos “participantes da natureza divina”, e a prática das virtudes da fé, da esperança e da caridade. De fato, só deste modo se pode ter verdadeira comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Não basta a fé; mas é preciso perseverar na graça santificante e na caridade, permanecendo na Igreja com o “corpo” e o “coração”; ou seja, usando palavras de S. Paulo, é necessária “a fé que atua pela caridade” (Gal 5,6).
O Catecismo da Igreja Católica estabelece justamente: “Aquele que tiver consciência dum pecado grave, deve receber o sacramento da Reconciliação antes de se aproximar da Comunhão”. Desejo, por conseguinte, reafirmar que vigora ainda e sempre há de vigorar na Igreja a norma do Concílio de Trento que concretiza a severa advertência do apóstolo Paulo, ao afirmar que, para uma digna recepção da Eucaristia, “se deve fazer antes a confissão dos pecados, quando alguém está consciente de pecado mortal”.
NA ESCOLA DE MARIA, MULHER “EUCARÍSTICA”
Todas as vezes que repetimos o gesto de Cristo na Última Ceia dando cumprimento ao seu mandato: “Fazei isto em memória de Mim”, ao mesmo tempo acolhemos o convite que Maria nos faz para obedecermos a seu Filho sem hesitação: “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2, 5). Com a solicitude materna manifestada nas bodas de Caná, Ela parece dizer-nos: “Não hesiteis, confiai na palavra do meu Filho. Se Ele pôde mudar a água em vinho, também é capaz de fazer do pão e do vinho o seu corpo e sangue, entregando aos crentes, neste mistério, o memorial vivo da sua Páscoa e tornando-se assim ‘pão de vida’”.