PAPA PIO XI
RESUMO DA ENCÍCLICA DIVINIS REDEMPTORIS
SOBRE O COMUNISMO ATEU
INTRODUÇÃO
O nosso Salvador, vindo à terra, inaugurou para todos os povos uma nova civilização cristã.
Depois da miserável queda de Adão, jamais cessou aquele antigo e astuto tentador de enganar a sociedade com promessas falsas. É por isso que as perturbações existem até a revolução dos nossos dias, a qual ameaça espalhar-se no mundo inteiro e parece ultrapassar em violência e força todas as perseguições que a Igreja tem sofrido; a tal ponto que povos inteiros correm perigo de recair em horrorosa barbárie.
O perigo ameaçador de que falamos é o comunismo, denominado bolchevista e ateu, que procura revolucionar radicalmente a ordem social e subverter os próprios fundamentos da civilização cristã.
ATITUDE DA IGREJA PERANTE O COMUNISMO
O comunismo despreza a verdade, a justiça e todos os bens imortais. O Papa Pio IX os condenou e disse que é uma doutrina abominável, contrária ao próprio direito natural, a qual uma vez admitida, levaria à subversão radical dos direitos, das coisas, das propriedades de todos e da própria sociedade humana. O Para Leão XIII disse que o comunismo é uma peste mortífera, que invade a medula da sociedade humana e a conduz a um perigo extremo.
DOUTRINA E FRUTOS DO COMUNISMO
A doutrina comunista que em nossos dias se publica, apresenta-se sob a máscara de redenção dos humildes e um falso ideal de justiça, de igualdade e de fraternidade universal no trabalho. Proclamam com orgulho e exaltam até esse falso ideal, como se dele se tivesse originado o progresso econômico.
Ora, a doutrina que os comunistas em nossos dias espalham, proposta muitas vezes sob aparências sedutoras, funda-se nos princípios do materialismo ensinado por Karl Marx. Essa doutrina proclama que não há mais que uma só realidade universal, a matéria, formada por forças cegas e ocultas, que, através da sua evolução natural, vai se transformando em planta, em animal, em homem. Do mesmo modo, a sociedade humana, dizem, é uma aparência ou forma da matéria, que vai evoluindo, e por um perpétuo conflito de forças, vai chegando para a síntese final: uma sociedade sem classes.
É, pois, evidente que neste sistema não há lugar sequer para a ideia de Deus.
É por isso que se esforçam para aumentar a rivalidade que surge entre as várias classes da sociedade, querendo que a luta de classes, tome o aspecto de uma guerra santa em prol do progresso da humanidade.
Além disso, o comunismo rouba o homem da sua liberdade; e ao mesmo tempo priva a pessoa da sua dignidade, e de todo o freio na ordem moral, com que possa resistir aos assaltos do instinto cego. Quanto às relações entre as pessoas, uma vez que sustentam o princípio da igualdade absoluta, rejeitam toda a hierarquia e autoridade, que proceda de Deus, até mesmo a dos pais. Nem aos indivíduos se concede direito algum de propriedade sobre bens naturais e sobre meios de produção. E é por esse motivo que afirmam que qualquer direito de propriedade privada, por ser a fonte principal da escravidão econômica, tem que ser radicalmente destruído.
Para o comunismo não existe laço algum da mulher com a família e com o lar. De fato, proclamando o princípio da emancipação completa da mulher, de tal modo a retira da vida doméstica e do cuidado dos filhos que a atira para a agitação da vida pública e da produção coletiva, na mesma medida que o homem. Mais ainda: os cuidados do lar e dos filhos devolve-os à coletividade. Rouba-se enfim aos pais o direito de educar os filhos, o qual se considera como direito exclusivo da comunidade.
Baseada em tais fundamentos, a sociedade humana viria a ser uma coletividade com apenas uma hierarquia: a do sistema econômico. Em suma, para resumirmos tudo em poucas palavras, pretendem introduzir uma nova ordem de coisas e inaugurar uma era nova de mais alta civilização, produto unicamente de uma cega evolução da natureza: “uma humanidade que tenha expulsado a Deus da terra”.
E quando, por fim, tenha surgido aquele ideal utópico de sociedade, que eles sonham, sem distinção de classes, então o Estado político perderá totalmente a razão de ser e, por necessidade natural, se dissolverá! Todavia, enquanto se não chegar a essa idade de ouro, os comunistas empregam o governo e o poder público como o mais eficaz e universal instrumento, para atingirem o seu fim.
Aqui temos a doutrina que os comunistas bolchevistas e ateus pregam à humanidade como novo evangelho, e mensagem salvadora de redenção! Sistema cheio de erros e enganos, igualmente oposto à revelação divina e à razão humana; sistema que, por destruir os fundamentos da sociedade, subverte a ordem social, que não reconhece a verdadeira origem, natureza e fim do Estado; que rejeita enfim e nega os direitos, a dignidade e a liberdade da pessoa.
DIFUSÃO DO COMUNISMO
Os propagandistas deste sistema dizem falsamente que não querem outra coisa mais que melhorar a sorte das classes trabalhadoras; que pretendem também conseguir uma distribuição mais justa dos bens terrenos.
Além disso, a difusão tão rápida das ideias comunistas que se vão infiltrando por países grandes ou pequenos, cultos ou menos civilizados, tem, sem dúvida, por causa esse fanatismo de propaganda cruel. E essa propaganda dispõe de grandes meios financeiros; propaganda quer por jornais, revistas e folhas volantes, pelo cinema, pelo teatro, pela radiofonia, pelas escolas enfim e pelas Universidades, pouco a pouco vai invadindo todos os meios ainda os melhores, sem darem conta talvez do veneno, que cada vez mais vai infeccionando os espíritos e os corações.
CONSEQUÊNCIAS DO COMUNISMO
Entretanto, aí estão à vista os lamentáveis frutos dessa propaganda fanática. Porque, onde quer que os comunistas conseguiram dominar, bispos e sacerdotes foram desterrados, condenados a trabalhos forçados, fuzilados, ou trucidados de modo desumano; simples leigos, tornados suspeitos por terem defendido a religião, foram humilhados, tratados como inimigos, e arrastados aos tribunais e às prisões. Não é esta ou aquela igreja destruída, este ou aquele convento arruinado; mas, onde quer que lhes foi possível, todos os templos, todos os claustros religiosos, e ainda quaisquer vestígios da religião cristã, tudo foi destruído até os fundamentos! E não se limitou o furor comunista a trucidar bispos e muitos milhares de sacerdotes, religiosos e religiosas, mas fez um número muito maior de vítimas em leigos de todas as classes, que ainda agora vão sendo mortos em carnificinas coletivas, unicamente por professarem a fé cristã, ou ao menos por serem contrários ao ateísmo comunista.
Quando se arranca das mentes dos cidadãos a própria ideia de Deus, necessariamente os veremos precipitar-se na crueldade mais selvagem, e na ferocidade dos costumes. Luta contra tudo o que é divino.
REMÉDIOS E MEIOS
Como em todos os períodos mais difíceis da história da Igreja, assim hoje também o remédio fundamental é uma sincera renovação da vida, segundo os princípios do Evangelho em todos aqueles que se gloriam de pertencer ao Rebanho de Cristo, a fim de serem verdadeiramente o sal da terra, que preserve a sociedade humana de tal corrupção.
Não podemos, contudo, negar que ainda resta muito por fazer neste caminho da renovação espiritual. Até mesmo em países católicos, muitos são os que são católicos quase só de nome. Quem não vive verdadeira e sinceramente segundo a fé que professa, não poderá hoje resistir por muito tempo, mas será miseravelmente engolido por este novo dilúvio que ameaça o mundo.
Então queremos insistir mais particularmente sobre dois ensinamentos do Senhor, que têm especial conexão com as atuais condições do gênero humano: o desapego dos bens terrenos e o preceito da caridade. “Bem-aventurados os pobres de espírito” foram as primeiras palavras que saíram dos lábios do Divino Mestre no sermão da Montanha (Mt 5, 3). E esta lição é mais que nunca necessária, nestes tempos de materialismo sedento de bens e prazeres da terra. Todos os cristãos, ricos ou pobres, devem ter sempre fixo o olhar no céu, recordando que “não temos aqui cidade permanente, mas vamos buscando a futura” (Hbr 13, 14). Os ricos não devem pôr nas coisas da terra a sua felicidade, mas sirvam-se dos bens como meios preciosos que Deus lhes concede para fazerem o bem; e não deixem de distribuir aos pobres o supérfluo, segundo o preceito evangélico.
Quanto mais experimentarem em si mesmos os operários e os pobres o que o espírito de amor faz por eles, tanto mais se abandonarão do preconceito de que o cristianismo perdeu a sua eficácia.
Desejamos que seja mais e mais explicado por palavra e por escrito o divino preceito da caridade, precioso distintivo deixado por Cristo a seus verdadeiros discípulos, este preceito, que nos ensina a ver nos que sofrem a Jesus em pessoa e nos impõe o dever de amar os nossos irmãos, como o divino Salvador nos amou, isto é, até ao sacrifício de nós mesmos e, se necessário for, até da própria vida.
Para poder eficazmente socorrer os necessitados, é necessário voltar a uma vida mais modesta; renunciar aos prazeres, muitas vezes até pecaminosos, que o mundo hoje em dia oferece em tanta abundância; esquecer-se a si mesmo por amor ao próximo. Virtude divina de regeneração se encontra neste “mandamento novo” (como lhe chamava Jesus) da caridade cristã, cuja fiel observância infundirá nos corações uma paz interna desconhecida do mundo, e remediará eficazmente os males que afligem a humanidade.
É necessário promover o estudo dos problemas sociais à luz da doutrina da Igreja e difundir os seus ensinamentos sob o auxílio da autoridade de Deus. Se o modo de proceder de alguns católicos deixou a desejar no campo econômico-social, isso aconteceu muitas vezes por não conhecerem suficientemente nem meditarem o ensino dos Sumos Pontífices sobre o assunto. Por isso, é muito necessário que em todas as classes da sociedade se promova mais intensa formação social, e se procure com empenho a mais ampla difusão dos ensinamentos da Igreja também entre a classe operária. Iluminem-se as mentes com a luz segura da doutrina católica e inclinem-se as vontades a segui-la e a aplicá-la como norma reta de vida, pelo cumprimento cuidadoso dos vários deveres sociais. Combata-se desse modo aquela incoerência e descontinuidade na vida cristã, pela qual alguns, enquanto aparentemente são fiéis no cumprimento dos seus deveres religiosos, no campo do trabalho ou da indústria ou da profissão, ou no comércio, ou no emprego, por um lamentável desdobramento de consciência, levam uma vida em desarmonia com as normas tão claras da justiça e da caridade cristã, dando assim grave escândalo aos fracos e oferecendo aos maus fácil pretexto para desacreditarem a própria Igreja.
Pode grandemente contribuir para esta renovação a imprensa católica, que pode e deve, de várias formas, procurar dar a conhecer cada vez melhor a doutrina social, informar com exatidão acerca da atividade dos inimigos, propor ideias úteis e gritar alerta contra as astúcias e enganos com que os comunistas procuram, e com resultado, atrair a si até homens de boa-fé.
O comunismo bem depressa se capacitou e mudou de tática, procurando atrair as multidões com vários enganos, ocultando os seus desígnios sob a máscara de ideais, em si bons e atraentes. Assim, vendo o desejo geral de paz, os chefes do comunismo fingem ser os mais zelosos apoiadores e propagandistas do movimento a favor da paz mundial; mas ao mesmo tempo excitam a uma luta de classes que faz correr rios de sangue, e, sentindo que não têm garantias internas de paz, recorrem a armamentos ilimitados. Assim, sob vários nomes, fundam associações e periódicos que servem depois unicamente para fazerem penetrar as suas ideias em meios, que de outra forma não seriam facilmente acessíveis, procuram até com falsidade infiltrar-se em associações católicas e religiosas. Assim, em outras partes, convidam os católicos a colaborar com eles no campo chamado humanitário e caritativo, propondo às vezes, até coisas completamente conformes ao espírito cristão e à doutrina da Igreja. Em outras partes levam a hipocrisia até fazer crer que o comunismo, em países de maior fé e de maior cultura, tomará outro aspecto mais brando, não impedirá o culto religioso e respeitará a liberdade das consciências.
Que os fiéis não se deixem enganar! O comunismo é intrinsecamente perverso e não se pode admitir em campo nenhum a colaboração com ele, da parte de quem quer que deseje salvar a civilização cristã. E, se alguns, induzidos em erro, cooperassem para a vitória do comunismo no seu país, seriam os primeiros a cair como vítimas do seu erro.
O mal que hoje atormenta a humanidade não poderá ser vencido senão com uma santa cruzada universal de oração e penitência: e recomendamos às Ordens contemplativas, masculinas e femininas, que redobrem as suas súplicas e sacrifícios, para alcançarem do céu para a Igreja um válido socorro nas lutas presentes.
MINISTRO E AUXILIARES DESTA OBRA SOCIAL DA IGREJA
Os pobres, efetivamente são os que se acham mais expostos às ciladas dos agitadores, que exploram a sua mísera condição, para lhes pôr no peito a inveja contra os ricos e excitá-los a tomarem pela força o que lhes parece que a fortuna lhes negou injustamente; e, se o Sacerdote não vai aos operários, aos pobres, para os prevenir ou desenganar dos preconceitos e das falsas teorias, chegarão a ser fácil presa dos apóstolos, do comunismo.
Mas o meio mais eficaz de apostolado entre as multidões dos pobres e dos humildes é o exemplo do sacerdote; é necessário um luminoso exemplo de vida humilde, pobre, desinteressada, cópia fiel do Divino Mestre. Um sacerdote verdadeira e evangelicamente pobre e desinteressado faz milagres de bem no meio do povo; ao passo que um sacerdote avaro e interesseiro será muitas vezes obstáculo em vez de instrumento de graça no meio do povo. E, se o sacerdote, por dever de ofício, tem que administrar bens temporais, lembre-se que não somente terá obrigação de observar tudo quanto prescrevem a caridade e a justiça, senão que de modo particularmente deve mostrar-se verdadeiro pai dos pobres.
É função da Ação Católica disseminar amplamente, por meio da propaganda oral e escrita, os princípios fundamentais que hão de servir para a construção de uma ordem social cristã, como se compreendem nos documentos pontifícios.
Os Estados porão todo o cuidado em impedir que a propaganda ateia, que destrói todos os fundamentos da ordem, faça estragos em seus territórios, porque não poderá haver autoridade na terra, se não se reconhece a autoridade da Majestade divina, nem será firme o juramento, que não se faça em nome do Deus vivo. Repetimos o que tantas vezes e com tanta insistência temos dito, nomeadamente na Nossa Encíclica Caritate Christi: “Como pode sustentar-se um contrato qualquer, e que valor pode ter um tratado, onde falte toda a garantia de consciência? E como pode falar-se de garantia de consciência, onde falte toda a fé em Deus, todo o temor de Deus? Destruída esta base, desmorona-se com ela toda a lei moral, e não haverá já remédio nenhum que possa impedir a gradual, mas inevitável ruína dos povos, da família, do Estado, da própria civilização humana”.
O Estado deve deixar à Igreja plena liberdade de cumprir a sua missão divina e espiritual, para contribuir assim poderosamente para salvar os povos da terrível tormenta da hora presente. Por toda a parte se faz hoje um angustioso apelo às forças morais e espirituais; e com toda a razão, porque o mal que se deve combater é antes de tudo, considerado em sua primeira origem, um mal de natureza espiritual, e desta fonte é que brotam, por uma lógica diabólica, todas as monstruosidades do comunismo. E quando se exclui a religião da escola, da educação, da vida pública e seus sagrados ritos, não se promove porventura aquele materialismo, donde germina o comunismo? Nem a força, ainda a mais bem organizada, nem os ideais terrenos, por mais grandiosos e nobres que sejam, podem dominar um movimento, que tem suas raízes precisamente na demasiada estima dos bens da terra.
Confiamos que aqueles que dirigem os destinos das nações, por pouco que sintam o perigo extremo que ameaça hoje os povos, compreenderão cada vez melhor o supremo dever de não impedir à Igreja o cumprimento da sua missão; tanto mais que, ao cumpri-la, enquanto procura a felicidade eterna do homem, trabalha também pela verdadeira felicidade passageira.
Os filhos Nossos que já estão contagiados pelo mal comunista exortamo-los a que ouçam a voz do Pai que os ama; e rogamos ao Senhor que os ilumine, para que deixem o caminho que os leva a todos numa imensa e catastrófica ruína, e reconheçam também eles que o único Salvador é Jesus Cristo Senhor Nosso: “porque não há sob o céu nenhum outro nome dado aos homens, pelo qual possamos esperar ser salvos” (At 4, 12).
O poderoso Protetor da Igreja, São José, pertence à classe operária e experimentou o peso da pobreza, em si e na Sagrada Família, de que era chefe vigilante e afetuoso; a ele foi confiado o Deus Menino. Com uma vida de fidelíssimo cumprimento do dever cotidiano, deixou um exemplo de vida a todos os que têm de ganhar o pão com o trabalho de suas mãos e mereceu ser chamado o Justo, exemplo vivo daquela justiça cristã, que deve reinar na vida social.